segunda-feira, 31 de março de 2014

Do amor

Poema: Do amor

Queria despir-te
com as mãos
ausentes de sentido

tu que és minha vida
que se revela
tu comigo

Da flor que
brota em teu
deserto

cujo corpo
é em ti meu
manifesto

para em ti
repousarmos
nos laços de um só

conjugação
de um verso
na forma de poema

despida
no sentir
de mim reflectida

Para sempre
tu em mim
seres minha vida.

Tu

Poema: Tu

Tu , que surges para alem da noite
num sentir que vem povoar todas as sombras
que acalentam esta forma de pensar
como se fosse apenas um pressentimento

E quando da noite se faz voz
ecoando para lá da solidão
surges de véu escondendo tua essência
para deambulares na tua premencia

E de tudo o que é assim sentido
para alem de estares tu assim comigo
do gesto que me faz sonhar assim
como se fosse um mar da eterna luz cetim

Constelações no céu púrpuro

Poema: Constelações no céu púrpuro

Surgem sombras
no há-de vir
como uma cortina de fumo
do meu eterno sentir

E nessa deambulação
são cravos despovoados
no meu coração
amargurado

Que se ressente de
toda a ilusão
de um dia
que surge para além da noite

E nessas incertezas
de mãos despidas de ternura
somos constelações
na escuridão de um céu púrpuro

E depreendesse o véu
e todo o teu corpo é meu.

Sitio

Poema: Sitio

Aqui neste sitio onde te vejo
de um lugar povoado de sombras
em que a vida se conforma
com o deambular da solidão

e nesse pensamento
quantos vidas serão tormento
quantos passos que se dirigem á tua aura
que brilha no mar do sentimento

e quando assim
se tomar a veia em mim
sou trajecto oblíquo
que cruza só o horizonte

para onde convergem todas as sombras
de um sitio abandonado
que circula no teu olhar
e que migra para o sol posto.

Alguem do outrolado

Alguem do outro lado
chama por ti em terna voz
para além do firmamento
perdido que há em nós

E nesse descernimento
de meras sombras te povoam
um olhar amanhecido
de um grito além perdido

E quando em ti
se firmam horizontes
somos nós
astros de rejubilo

Que percorrem os céus despidos
nessas deambulações
acordam nos teus sonhos
de nossos corações

sexta-feira, 28 de março de 2014

A morte anunciada de Malena



A escuridão da alma pode ser tão perturbadora como a morte de uma criança. Ela estava a morrer. Uma morte lenta que lhe retirava a vida a cada célula. A impotência de seus pais que a viam deitada no leito à espera da morte convergia para o desespero. Uma impotência de que sabiam qual a origem e lhes apertava o coração com uma melancolia agras que parecia despertar neles o medo do desconhecido. O seu rosto frágil, de olhos profundos de dor, cavados e negros que só com a morfina parecia fazer desaparecer, indiciava uma alma combalida, mas certa quanto ao desfecho nesta vida. Estranho destino que se cingia sobre os ombros leves daquela criança, com o peso da idade terna de apenas seis anos de idade, mas tão segura de si quanto ao que lhe iria acontecer no futuro. Com uma força desmedida parecia acalentar o coração de seus pais com as palavras certas, dizendo-lhes que tudo iria correr bem, e que no futuro no além um anjo a pegaria ao colo e a levaria ao encontro de outras crianças. Assim, adormecida profundamente, cingia-se em si de um pequeno peso de alma, que se intricava na sua vida presa por um fio. Doutor, deveremos ter esperança quanto ao destino de nossa filha? Perguntava o pai da criança ainda um pouco apático face aquela situação em que tinha mergulhado a sua vida. O médico de olhos baixos em direcção ao vazio, e sem lhe poupar qualquer esperança, dizia que era melhor contar com o pior, pois a situação de Malena piorava a cada dia que passava. Nem a quimioterapia parecia melhorar a sua situação. Assim, ligada a uma máquina que lhe injectava pequenas doses de remédio, para lhe reduzir as dores, Malena que morria com um cancro que se tinha expandido por todo o seu corpo, sonhava que subia umas escadas, uma a uma, cujos degraus a levariam para um lugar que lhe mais parecia com o céu, e onde ela poderia brincar com as outras crianças que como ela, Deus havia levado para esse destino Os olhos de sua mãe inundavam-se de lágrimas, mas chorava silenciosamente sem que a pequena se apercebesse, pois era naquele momento apenas impotência que sentia por não poder ajudar a sua filha. Os dias iam passando, e o quarto de hospital onde a criança estava internada enchia-se de flores que as visitas iam trazendo. Eram magnólias, lírios, uma orquídea branca que se cingiam às paredes do quarto de um azul celeste. Apesar de tudo, essas bonitas plantas alegravam o quarto e decoravam o ambiente. E ao respirar esse ar, com o cheiro que as flores transmitiam, Malena parecia imergir num pequeno jardim onde a morte a viria buscar no futuro. Olá, eu sou a morte, e venho-te buscar para poderes brincar com os outros meninos, dizia-lhe uma voz que não a perturbava, mas que a acalentava em relação a um futuro mais risonho que estaria à sua espera. Eu sou a Malena, e nunca imaginei que a morte tivesse a forma de um anjo, daqueles que se vê nos livros de desenhos, com largas asas púrpuras de um branco transparente, tal asas de andorinha. Pois, mas eu sou uma morte especial, aquela que recebe pequenas crianças como tu no seu leito. E Malena sonhava com esse desfecho em que ao subir as escadas com a morte de mão dada, iria ser recebida por muitos meninos que com ela festejariam as mais belas brincadeiras, correndo por esse jardim, que mais se assemelhava ao seu quarto de hospital. E nesses momentos, o seu pai perguntava com quem estava a falar a criança. Ela que se remetia a si num diálogo surreal que parecia ser motivado pelas pequenas doses do remédio que lhe era administrado. Com a morte, papá. Respondia a menina. Ela disse-me que me virá buscar com ela para irmos brincar com os outros meninos. E os olhos de seu pai enchiam-se de lágrimas, pois a morte não pouparia a vida de sua filha nem o que ela tinha de melhor à presença de seus pais. E se ele pudesse fazer um pacto com a mesma, talvez lhe dissesse para o levar antes com ela, e poupar a vida de sua menina, que de tão frágil nem se apercebia do seu desespero. Mas a morte não poupa ninguém. O destino já está escrito nas estrelas e apenas o que pode acontecer é o prolongar de uma situação que será inevitável. Mas se ele pudesse prolongar aquele estado, talvez estivesse a ser egoísta pois as dores no corpo de Malena tornavam-se insuportáveis, e o melhor mesmo é que a morte a levasse com ela para o outro lado e lhe poupasse todo esse sofrimento.
Naquele dia o vento soprava irresoluto sobre as cortinas do quarto de hospital e os seus pais encontraram-na adormecida num sonho profundo. Os seus olhos negros por detrás das pálpebras que se agitavam levemente faziam-na sonhar com o além, onde os meninos brincavam com os seus papagaios de papel numa colina de um monte verdejante, e sob um céu muito azul, calmo e sereno, onde ela se encontraria para seu rejúbilo. O seu pai aproxima-se de Malena e segreda-lhe ao ouvido para ela acordar, e os seus olhos abrem-se de mansinho. Já era dia, e apesar do vento gélido que parecia querer entrar pelas frestas da janela do seu quarto de hospital, ela acordou imersa desse sonho que sempre sonhava quando dormia à noite. O papá e a mamã tem um segredo para te contar. Disse o pai à criança. Olá papa, bom dia. Foram as suas palavras, uma vez que acordara levemente e parecia querer despertar daquele sonho da última noite. Vais ter um irmãozinho. Respondeu-lhe o pai. A mãe olhava para ela com olhos de ternura, e agora que o seu fim estava próximo, Malena ia ter um irmão, pois a sua mãe estava grávida. A criança alegrou-se com aquela revelação, e abraçou os pais com grande furor. Ia ter um irmão, e estava radiosa com aquela constatação. Que alegria imensa em ter um bebé com quem brincar. Então levantaram-na com cuidado e sentaram-na num sofá que existia ao lado da sua cama que ficava encostada a uma das paredes laterais do quarto. O papá comprou este livro de desenhos para a menina. Tem uma bela história. Disse-lhe o pai. E que história é essa. Conte-a papá, conte-a! Exclamou a menina que se havia sentado no sofá e que agora desperta se alegrava com o seu novo livro de histórias. É sobre uma menina que ia ter um irmãozinho. Começou o pai a contar a história. Certo dia, veio a cegonha no céu e trouxe o bebé enrolado num xaile branco, semelhante a uma manta de retalhos de um branco muito branco. E o bebé chorava fazendo: uá uá! Continuou o pai a contar a história. A irmã que o veio receber dos braços da cegonha, uma vez que os pais não estavam em casa, não sabia o que fazer. Então, pegou num biberão e deu-lhe leitinho para ele beber. Mas ele continuava a chorar. E então o que ela fez papá!? Perguntou a criança entusiasmada com a história. Então a criança pegou-a ao colo e começou a embalá-lo e a cantar uma música.
“ Era uma vez um bebé, muito fofinho, que dormia no seu cantinho.”
Cantava a criança. E o bebé começou a ficar embalado e adormeceu num sono profundo, e não mais chorou e ficou muito sossegado. Que bela história papá! Exclamou a criança enquanto olhava para as figuras do livro. Sabes papá, estou cansada. Disse a menina, e então o pai deitou-a novamente na cama. E os dias foram passando.
No dia em que Malena morreu, a sua mãe entrou em trabalho de parto no hospital. Foi como se a sua alma migrasse para o corpo do recém-nascido. Não sei se isso será possível, mas assim pensaram os seus pais, que vendo Malena partir, agora tinham nas suas mãos um bebé frágil. E a partir daquele dia, assim contou a história que as primeiras palavras que ele disse quando aprendeu a falar, foram do nome da sua falecida irmã, Malena, para espanto dos seus pais.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Mocho Sabichão



As aulas do mocho sabichão eram sempre muito alegres e divertidas. O mocho arranjava sempre esquemas para explicar aos animais do bosque a gramática do estudo da língua humana. Eles aprendiam essa língua para que na floresta mágica pudessem falar o humanés, que era o nome dado a língua falada pelos humanos. E eram tão divertidas, tão divertidas que todos eles se fartavam de rir quando o mocho contava as suas histórias.
As aulas eram lecionadas no terreiro junto ao largo das laranjeiras, no meio do bosque. Os troncos velhos de árvores já caídas da floresta serviam de mesa e cadeiras para que eles se pudessem sentar. Por outro lado, as notas eram escritas em pedaços de papel de sebenta que o mocho sabichão tinha comprado na loja da Dona Raposa, que vendia material escolar para os habitantes da floresta. A Dona Raposa tinha um franchising desse género de produtos. Por outro lado, já se tinha internacionalizado para outras zonas da floresta, tendo um negócio muito lucrativo na venda de material escolar. Isso devia-se ao facto de os animais terem muita vontade de aprender o humanés. Certo dia, o mocho resolveu explicar os substantivos coletivos, que era o nome dado aos nomes que indicavam uma pluralidade de seres da mesma espécie, ou uma coleção.
- Olá meus caros bom dia! Exclamou o mocho dirigindo-se à plateia de animais. – Hoje iremos falar dos substantivos coletivos!
- O que é isso, o que é isso? Perguntou o sapo lá ao longe, que estava sentado na terceira fila e fazia muito barulho a mastigar uma pastilha.
- Bem, é isso que vos vou explicar. Os substantivos coletivos são…
De repente é interrompido pelo papagaio que tinha chegado atrasado á aula.
- Desculpe o atraso professor mocho, mas estive a tratar de uma tradução de língua humaneza. Desculpe o atraso. O papagaio era um dos melhores alunos da aula e já fazia traduções do humanés.
- Não faz mal, não faz mal! Como eu estava a dizer… continua o mocho quando é interrompido novamente, agora pela coruja.
- Piu professor mocho. Quantos tipos de substantivos é que existem hem? Disse a coruja com um piar ligeiramente rouco porque andava mal da garganta, e já tinha tomado pastilhas para a tosse.
- Bem, já que pergunta são… Ia dizer o mocho quando é interrompido novamente pelo jacaré que pergunta.
- Professor mocho, posso ir à casa de banho, posso?
Finalmente o mocho diz.
- Podes ir sim, mas se me continuam a interromper não vou poder explicar os substantivos coletivos…
- Desculpe professor mocho. Diz a Iguana interrompendo-o novamente. – Mas você hoje não ia explicar os adjetivos. Como era mesmo… O sotaque da iguana era meio abrasileirado e ela falava com a língua em s. Assims, e por ai adiante.
- Não dona iguana, hoje irei explicar os…
É novamente interrompido pelo leão, que faz um longo rugido.
- Grrrr…. Desculpe professor mocho, é o meu estomago a rugir, porque hoje ainda não comi nada.
E o professor mocho lá teve que fazer uma pausa para os animais irem tomar o pequeno-almoço.
Passado um quarto de hora, o professor mocho chama novamente os animais da floresta.
- Venham meninos que tenho de explicar-vos os substantivos coletivos.
E os animais entraram de mansinho na aula á espera da explicação do professor.
- Professor mocho conte uma história, conte! Por favor. Disse baixinho o periquito que se encontrava sentado num ramo de uma árvore.
- Bem está bem, eu conto, mas só se tiverem muito quietinhos. Exclamou o mocho com uma voz ternurenta.
- Nos ficamos muito, muito quietinhos. Respondeu o gato que se encontrava cheio de atenção sentado no tronco da primeira fila.
- Então é assim. Começa o mocho. Eu conto se me disserem quantos substantivos coletivos encontram na história.
- E o que são os substantivos coletivos. Perguntou novamente o gato.
- São os nomes que indicam uma pluralidade de seres da mesma espécie ou uma coleção.
- Muito bem. Responde o leão, que já tinha tomado o pequeno-almoço e se sentia com o estomago aconchegado.
- Era uma vez um humano que tinha uma voz muito grossa e falava axim. Certo dia, no meio da multidão havia um cego que pedia esmola. O homem aproximou-se dele e deu-lhe uma moeda de um euro. O cego perguntou-lhe se ele tinha boa visão, porque a dele era turva e só conseguia ver sombras à sua frente. Tinha pena de ser assim, porque não podia ver as estrelas no céu, nem olhar para o mar. O homem perguntou-lhe. É cego há muito tempo? E o cego respondeu que tinha cegado já era um rapazote, mas que ainda permanecia em si a lembrança de ver as constelações no céu à noite. O homem que falava axim, teve muita pena do cego e sentou-se a seu lado. Descreva-me o mar. Perguntou o cego ao homem. O homem respondeu que o mar era como pintar o céu de um azul brilhante e que o imaginasse com uma palete de cores cinzenta, quando caia a noite no céu. Deve ser uma visão muito linda. Exclamou o cego. De facto assim o era, mas ele não podia ver, nem as suas palavras podiam descrever a beleza daquela paisagem.
Os animais estavam fascinados com a história do mocho e interromperam-no para dizer-lhe que palavras representavam os substantivos coletivos.
O leão começou.
- A palavra multidão é um substantivo coletivo senhor professor mocho?
- É sim! Muito bem visto leão! Exclamou o mocho.
- E a palavra constelações? Perguntou o papagaio que ouvira a história com atenção.
- É sim senhor, muito bem papagaio.
- A palavra palete também o é? Perguntou o jacaré.
- Sim senhor, também é! Exclamou novamente o mocho.
E ficando contente por os animais terem adivinhado os substantivos coletivos, distribuiu rebuçados de mentol por todos eles. A lição tinha sido um sucesso.


quarta-feira, 12 de março de 2014

Sem ti

Perdemos no espaço infindo
para o qual migra o meu olhar
e se nos perdemos tanto
a origem deve ser o mar

Que nos faz ver
em seu horizonte
o lugar das coisas
que nos passam despercebidas

Como candeias perdidas
de um sereno naufrágio
como as ondas do oceano
que se rebelam face ao vento.

terça-feira, 11 de março de 2014

Nunca serei velho

Nunca serei velho
talvez, as minhas mãos
nunca fiquem enrugadas
com o passar dos dias

E assim, quando o meu corpo
se despir de preconceitos
um simples ardor
me arda no peito

Serei para sempre jovem
rodeado por mil flores
de melancolia
do passar do dia

Quando a morte
por fim chegar
olhal-ei apenas
com o meu terno olhar

domingo, 9 de março de 2014

Turbina

Por entre jeitos meio surdos e o seu olhar esquecido, o velho turbina entrara pé ante pé numa casa de banho suja, fria e húmida. O espelho partido recordava os velhos tempos cuja barba branca e longa não desmentia e onde surgia a imagem de um homem perdido e confundido com a sua própria essência tantas vezes transformada. Por diversas ocasiões que pressente o seu futuro num forte abalo no seu pobre coração, e cujas pernas haviam avisado. Sobressaltado, procurou a fina linha de água que escorria na torneira branca e calejada, e levou-a ao rosto enrugado e áspero. Curvado, olhou para cima deparando-se com falhas pretas que surgiam dos tijolos manchados com cimento que com o tempo havia perecido. Mergulhou novamente a sua face em mais algumas gotas que caiam na pia requebrada e levantou-se tentando equilibrar-se com a ajuda dos seus membros e apoiando as mãos no lavatório. Por entre instantes sonhos que o visitaram, acordou e voltou para dentro á procura da sua cama. Cama onde encontraria a paz e o silêncio de mais uma noite adormecida.
O dia surgiu socorrido de raios de sol que entravam pela janela entreaberta. Um deles indo de encontro ao rosto de Turbina, acordou-o de imediato. O velho levantou-se, empurrando as companheiras mantas para trás, e apoiou os pés no chão para se orientar. Olhou de relance o seu relógio de cabeceira e soube das 7 e 19 que este marcara. Depois, regressou à casa de banho que tinha visitado na noite passada e no contínuo fio de água que escorria da mesma velha torneira, lavou a sua cara ainda meio atormentada dos sonhos da noite passada.
- “Desça as escadas Turbina…”
As escadas eram antigas mas seguras. Emergindo em duas rectas, ligavam o primeiro andar do patamar, que era composto de várias
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mesas, cadeiras e rodeado de portas envidraçadas que abriam para o jardim. O jardim esse era magnífico. Representava mesmo utopicamente a liberdade. Aliás, era a única liberdade permitida naquele sítio, embora talvez a única que fosse realmente agradável em todo o mundo. As paredes poderiam representar repressão mas naquele sítio significavam segurança. Não de uma prisão, mas de um sítio ligeiramente diferente. Assim, com cuidado e apoiando-se no corrimão, Turbina dirigiu-se á liberdade. Ele próprio dizia:
- “Ó minha bela liberdade, ó minha doce liberdade...”
Mas Turbina era velho, era pobre e era um homem solitário. Nunca teria ambicionado a riqueza e nem esta lhe fora outrora generosa. Apenas invejava a paz.
A paz de um dia poder olhar o pôr-do-sol, como se fosse a sua última visão.
Alcançando a liberdade, sentou-se num dos velhos bancos que o jardim exterior oferecia e recordou...
Naquele tempo, quarenta anos mais novo, Turbina era um estudante que andava a tirar o Doutoramento na Universidade de Aveiro. Era extremamente inteligente. Tinha terminado a sua licenciatura na Universidade de Coimbra com uma média de 19 valores, o que lhe possibilitou de imediato poder candidatar-se a doutoramento. Mas a vida nunca lhe tinha sido fácil. Muito novo partirá de sua casa em Transmontes para a antiga cidade de Coimbra. Munido de muita ambição, entrará no curso de economia onde até aos seus 21 anos continuara a tirar muito boas notas. A sua ambição puxava-o sempre para ser o melhor e muitas vezes refugiava-se em casa a estudar. Porém, tal como todos os jovens procurava a sua identificação e admirava muito o mundo comunista. Era fiel aos princípios Marxisianos, e decorará muitas passagens dos textos escritos por Karl Marx. Era de tal maneira adepto a essa filosofia que muitas vezes procurava dentro dos cafés, os pequenos debates que o intrigavam e o impeliam a saber
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cada vez mais. Os debates que outrora foram escondidos de um regime fascista onde proliferava a ignorância e a insensatez. As ideias iam-se formando dentro da sua cabeça, e à medida que amadurecia, foi procurando novas companhias, com as quais se identificava e que lhe forneciam a segurança que sempre lhe faltará. Porém, uma segurança ilusória, pois entre drogas e álcool o pequeno Turbina foi-se perdendo com o tempo. E tal como perdeu o seu corpo, não se importando muito com o seu aspecto exterior, foi perdendo a sua consciência, e esta foi-se alterando progressivamente. A sua mente, transformada pelo consumo desses produtos químicos começou a deambular em sonhos mirabolantes. O olhar de Turbina mudará. Agora mais louco, tornou-se visionário à sua maneira. De entre as ideias surgiu a loucura, a loucura de viver uma vida sem pensar no amanha. Viver uma vida de alegria, pois ele próprio era a alegria. E neste êxtase de aproveitar cada minuto da vida, e ver no sono tempo perdido, um dia, Turbina, num daqueles seus ataques de joio, ao olhar o pôr-do-sol, tombou inanimado. Era o seu primeiro esgotamento nervoso.
- “Regresse ao jardim Turbina… “
Olhando a sua mão caída e sentado no banco, tinha caído num jogo em que apenas esperava o próximo segundo, sem nada que o pudesse prender ao momento anterior, sem ter de demonstrar nada a ninguém em duras provas irreais. Daquelas em que os humanos por vezes se lançam, sem consciência das suas consequências. Provas frias e irracionais que pouco a pouco vão transformando o sentimento em pedra.
- “ Sentimentos...” Pensou. “ Sentimentos são belos estados de espírito que nos moldam a alma?” Inquiriu. “ São tamanhos prazeres quando tristes...” Suspirou. “ São aquilo que nos faz viver, que nos torna maiores que o mundo e que nos faz criar o mundo...”
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Sentimento de tristeza que tomara conta de si seria apenas isso... nada... pois não era mensurável, mas mesmo assim o tornará prisioneiro de si mesmo.
“ E se o sentimento é apenas isso, porque as pessoas fazem qualquer coisa para os terem?” Pensava. “ O sentimento de amor... de vaidade... de êxtase... As pessoas apenas vivem para os sentimentos, na ânsia de alcançarem as mais belas emoções, muitas vezes esquecendo-se que no seu egoísmo, os outros... ”
Turbina olha novamente a sua mão caída que baloiçava perdida no ar e continua a meditar.
O que o tinha levado aquele estado tinha sido a sua ânsia de viver. De sugar todos os melhores sentimentos que poderá alguma vez experimentar. Nem sequer imaginar em pensar em outros senão esses... magníficos.
Era magnifica aquela vida... vivia na paixão, na loucura, sem pensar no amanha, sem mordaças, tratando a liberdade por tu... andava com ela de mão dada... fazia amor com ela porque eram apaixonados... a doce liberdade...
De repente, sente-se preso naquele cenário... o mesmo sitio de sempre onde julgava alcançar a liberdade, por momentos torna-se-lhe irrisório e surge a ilusão...
Sente-se em pânico e quer gritar mas a mão caída no ar baloiçando e o olhar triste pregado nela, modificam o seu pensamento e deixa-se abater suspirando... aquela era a melhor liberdade que ele podia ter agora.
- “ O ser humano é incrível porque mesmo nas piores situações é capaz de dizer que aquele é o melhor cenário que poderia ter... mesmo nas piores situações nunca tenta fazer nada para melhorar a sua situação. Acho que é esta a explicação para que tantas pessoas passem a vida inteira em trabalhos de que não gostam. E não digam que é para pagar a prestação da casa, a escola dos filhos... acredito que existe essa responsabilidade... mas não
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ambicionar ter uma vida melhor apesar dessas condições é limitar-se a não viver.” Turbina continuava a reflectir.
- “ Todos os dias acordam para uma vida que é dura... mas a vida não devia ser dura... devia ser maravilhosa... a vida é a maior dádiva de todas. É um verdadeiro milagre. É um milagre poder ver todas as coisas boas que nos rodeiam... Queria um dia ser cego e nunca ter podido ver para me curar e ter a percepção do mundo como ele é. Só assim poderia admira-lo na sua grandeza. Só assim lhe poderia agradecer por cada segundo em que o posso admirar. E das entranhas do meu ser dizer... obrigado.
Por cada segundo poder admirar tudo aquilo que sou capaz. Dos pequenos milagres que posso fazer e que transformam o próprio mundo. ”
Turbina pensava... “ Estou louco ”.
Todo o êxtase que lhe invadia o coração lhe parecia loucura. Gritar “Doce liberdade” enquanto descia aquelas escadas todas as manhas, achava normal, mas pensar desta forma era loucura.
- “ Não, jamais alguém pensar assim.”
E nesta incongruência de pensamentos, voltava ao seu antigo estado: a mesma mão baloiçando no ar e de sentidos esquecidos.
- “ Se já alguém já teve um ataque de pânico, não é propriamente um sentimento agradável. Aquele sentimento de mal-estar, nervosismo, aperto no coração, não estar bem em nenhum lado e não poder fazer nada para o alterar... Não quero sentir mais isso...” Pensava.
- “ Prefiro abdicar da minha liberdade em troca da paz. Prefiro entregar-me aos fármacos que escondem a minha situação em prol do meu bem-estar ilusório... prefiro esquecer do que recordar. Perdoar a mim mesmo estes estados de ansiedade que me transformam um pouco de cada vez que me atingem. ” Continuava a reflectir.
- “ São como alfinetes que nos sangram o coração e possivelmente dos piores sentimentos que alguma vez um ser
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humano pode experimentar. E como são sentimentos somos nos que os provocamos. Primeiro imaginamos que possam existir. Existe o pânico e a partir daí imaginamo-lo a entrar na nossa vida. Em segundo imaginamos a viver esse estado, embora que sem nunca o termos experimentado nunca o possamos viver realmente no pensamento. E em terceiro ao concretiza-lo, vamos criar com ele uma relação para toda a vida. É tal e qual a paixão. Com certos estímulos poderá surgir a qualquer momento... avassaladora, sem ter nada que a possa confrontar, e aí no quarto ao entregarmo-nos a ela podemos sair magoados ao ponto de pensar que podemos morrer por esse sentimento. Idiotice... morrer por um sentimento. Somos muito mais do que isso. ”
A mão abana mais rapidamente, como se fosse uma forma de protesto contra a condição humana.
- “Louco turbina, estás Louco” Murmura. “ O verdadeiro sentido do amor não é a paixão, mas o encontro em comunhão com o mais profundo do nosso ser... “

sábado, 8 de março de 2014

Do silêncio

Poema: Do silêncio

É apenas silêncio
o que pode ser guardado
das primeiras palavras
que soltas ao vento,

E quando se solta o véu
sobre o que querem dizer
toma-se consciencia
desse teu ser,

Surge imaculado
na ideia do poeta
e parte abandonado
à sua sorte.

Oh, como queria ser tu
para compreender
de onde surgem
teus versos.

Poeta de um sem fim de ilusão
fogo fausto
comunhão de sentidos
dispersos

e é tudo em mim
uma torrente
de significados,
soa os versos, eternamente amados.

Adeus

Poema: Adeus

Adeus, adeus terna tristeza
que surges em minha alma
em forma
de melancolia

que te tornas versos
de um anjo perdido
que a meu lado caminha
protegendo meus passos

E quando a saudade aperta
sou voo de borboleta
e deixo o meu casulo
inebriado

por entre tormentos sem fim
em que me vi a mim desolado
sou mais do que ternamente fui
e fluem sobre mim todos os poemas

Declamo em minha passagem
em forma de sedução
de olhos de vaidade
de um só coração

E a pálida luz
que soa no verso em última estrofe
vem à procura
e resta apenas o medo da morte.

Ausencia

Foram meros segundos
que passaram após a nossa despedida,
e nunca pensei que me doesse
tanto cá dentro, esta ausência de ti

E a minha alma canta em pranto
a tua  falta,
como uma candeia de luz
que parece não iluminar, a minha escuridão,

por isso os meus passos são dados
no conformismo dos dias,
sonhando contigo
e com o que somos um para o outro,

cuja luz a atravessa com focos
de  irrealidade, mas tudo passa amor,
tudo passará meu amor, e o nosso carinho
um dia tornar-se-á apenas uma miragem

Criação

Poema: Criação

Queria poder criar
todos os versos do mundo,
soletra-los num segundo
como um fogo que arde no coração,

Mas é tão tarde, é tão tarde meu amor,
e parece não haver sentido,
os meus olhos adormecem embalados
nas pálpebras do sono

Sentindo-me adormecer
como quem chama a morte,
que vem ao meu encontro
para me levar com ela,

Talvez diria, o que resta
de o corpo vão,
seja apenas um espírito
de matéria fútil,

E assim, ao encontro dos dias
fosse com um anjo
que em seu voo imaculado, se desprendesse,
da terra na sua imensidão.

Sem sentido

Poema: Sem sentido

Por entre palavras esquecidas
talvez o verso vingue
quem sabe,

e, nessa ironia
talvez assim
a vida tenha significado,

porem, como o que te convem
somos apenas palavras
fúteis, de um mero orador

que se cinge perdido
ao encontro de si
sendo um desconhecido,

e assim, desconhecido de si
prene de momentos passados
mas que em vão foram amados

ora a uma só voz
de pensamento atroz
e de sentido nenhum.

Infinito

Poema: Infinito

O infinito
que se soletra
nas mais ternas das palavras
perde-se em rimas

E por mais que sejam
murmurios ausentes
nao te consigo esquecer

surges nos meus sonhos
tal nevoa pálida
que me queres levar contigo

e por isso resisto ao teu amor
que despedaça
cada parte da minha alma

Que soletra a uma só voz
aquilo que eu não
quero compreender

e é apenas infinito
aquilo que nos une
de uma toda eternidade.

Apenas um pouco tarde

Poema: Apenas um pouco tarde

É tarde, é apenas um pouco tarde amor,
que as rimas se fazem com o suor
dos dias, que passam
sob o nosso olhar em lágrimas

E nessas deambulações
parecemos ser outros actores
que se cingem a um papel
de murmurios vãos

Mas se for só assim,
meras quesílias do coração
talvez o espírito se acomode
a outros corpos

Venham à procura
da mera cordialidade
quando a vida tiver sentido
e apenas seja um pouco tarde.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Nunca te amei assim

Poema: Nunca te amei assim; Manuel Marques;

Nunca amarei assim,
de canduras irresolutas se faz o meu amor,
com espinhos que rasgam a garganta
quando o tento dizer-te

E tu que surges nos meus sonhos
se depreendem deles meras imagens
de um coração perdido num bosque
á procura que o encontrem

Nunca te amei assim meu amor,
tu que eras uma mera desconhecida
que surgias no solsticio
de uma tarde amanhecida

E se fossem apenas deambulações
malditas de quem querer
podiam ser agora certezas
de um amor a amadurecer

E por isso te digo
que amar-te-ei até ao fim
tu que surges marcada
de um terno amor por mim

E sei-o porque sei
da tua alma estar enamorado
de te perceber o sentido
neste meu grito rasgado.

Palavras

Poema: Palavras

Soletravas todas as palavras
de teu mundo
como quem as conhece
na palma da mão

Foram poucas para compreender
que no amor não havia
perdão

E assim singela
por entre as avenidas
cingias-te a um
desassossego só teu

Percorria-as imersa
nos teus pensamentos
ciente dos teus tormentos

Mas eram apenas palavras
que podias soletrar
num qualquer outro lugar

Quem somos?

Poema: Quem somos nós?

Quem é este?
que te ama assim

sim, quem sou eu?
que nas palavras
assento a minha mágoa,

e quem és tu?
sombra, que perdida em mim
te encontras por fim
num qualquer poema
de murmuriu inacabado

(cuja alma me soa
despercebida)

quem sou eu?
atraz da minha voz
e quem seremos ?
no futuro a sós

(para o qual migra
o espirito encoberto
e prene sentido)

E se faz eternidade
no infindo
que nos traz a saudade

quem és tu ?
que soletras teu nome
e surges nos sonhos
de véu destapado

aproximas-te de mim
e alcanças meus lábios
feridos de sede
do desconhecido

E de quem são ?
as palavras esquecidas
que tu dizes
que são apenas vidas

De que se faz
a minha soldidão
que me aperta
o terno coração

E por fim quem somos nós?
almas inalcançaveis
de um qualquer Deus perdido

Quem somos?

Rio

Poema: Rio

Ás vezes
sonho que percorro o rio
das ilusões

E quando imerso nele
todo o meu ser se desconjuga
como se o corpo
desaparece-se na eternidade

Oh mágoas esquecidas
do meu coração
palavras enfindas
de só desolação

E quando nesse rio
imerjo
sou uma alma perdida
no curso da vida

Que corre para o leito
de uma memória
esquecida

A vida e o esquecimento

Poema: a Vida e o Esquecimento

Queria declamar a vida
em um dos meus versos
e dizer que te amo
como nunca amei ninguem

mas sao apenas palavras
que nao tem qualquer significado
perdidas no horizonte
das lembranças esquecidas

e tu quando vens
serena
traz-se contigo a assunção
em um poema

que me faz ficar
mais apaixonado
por poder amar-te assim
quando tudo convege apenas para o fim

e em tudo o que digo
que parece perdido
sou indigo de alma
esquecimento ferido

Quando eu partir

Poema: Quando eu partir

Meu amor
quando eu partir

(se é que ja parti)

quem te falará da fonte da vida
que parece trasbordar em nós
toda a sua juvenilidade

quem te dirá
como estás bonita
atrás do véu que se cinge em teu olhar

quem te trará
uma flor
para que em teu peito
a possas declamar no infindo verso

e quem cingirá
em tua alma
pelos murmurios de um céu azul

quem meu amor?

te amará mais do que eu
que te amo de toda uma eternidade
pelo infinito
que para sempre te mostro
a beleza do mar

que parece transborar
de horizonte
às marés calmas
de uma chuva que caí irresoluta.

quem meu amor?
te trará
as palavras breves
de um curto poema

quem meu amor
dir-me-as tu,
quem te murmurará
no encanto da voz
cingida à própria voz.

Teu amor

Meu amor,
procurei-te na noite
em que eras apenas uma sombra
imersa na solidão

e quando te vi
pedi-te para que me olhasses nos olhos
e sentisses o poema
no meu olhar

que brilhando
se imiscuia de pranto
para saudar o teu
beijo terno.

Meu amor
quantas vezes te procuro de noite
naquelas em que me sinto percorrer
de ausencia em mim

que sinto que existe em ti
um tratado
que me leva a ser teu convidado
nas noites de terna solidão

Mas sei que estarás
sempre ai à minha espera
tal quimera que em pranto
se molda em meu coração.

Sincronicidade

Poema: Sincronicidade

E se alguem pensa fora de mim?
Será este pensar
que me alerta
para a profundidade da vida?

Por que se imiscuem
os prazeres breves
aos sinais do universo
para os quais diverge

Sinais que em mim
fazem sentido
e são mais do que eu
e do que outrora fui

são a linguagem das palavras
que a sincronicidade revela
quando se defloram as rimas
e criam-se os poemas

Sendo a vida toda um poema
que se firma em sua vontade
para em mim
se tornar apenas saudade.

Noite

Poema: Noite

Ás vezes esqueço-me das horas
e quando acordo
parece tarde
e o corpo está adormecido

A morte vêm à procura,
da alma que se lhe entrega
em candura de espirito
e amargura

Quando isso sucede
sinto-me adormecido em mim
sou um corpo despido
de espírito combalido

E por mais que tente acordar
sou um corpo fútil
no limiar da lembrança
e para mim já não ha esperança

quinta-feira, 6 de março de 2014

Texto de escrita criativa

Ela abriu a gaveta e as memórias vieram inesperadamente ao seu encontro. Recordou-se do seu pai e como tudo aquilo tinha sucedido. A sua morte inesperada havia-lhe perturbado a vida, e agora órfã de pai e de mãe imiscuía de uma terna tristeza. A partir daquele momento tudo tinha acabado na sua vida. Uma lenta solidão sucumbia-lhe os sentidos fazendo-a navegar num mar morto. O mesmo mar onde estava o seu coração. Assim, com pouco o que havia a recordar desse trágico evento, sentia que a vida lhe fugia. Quanto mais fugia mais se imergia na contemplação a um Deus que parecia não existir. O pai morrera de cancro na garganta, fatal pelos cigarros que fumava. Tinha-lhe sido diagnosticado tarde de mais, e sucumbira poucos meses após esse anúncio por parte do médico. Com o tempo que lhe restou para viver com ele, Malena fez uma viagem ao interior de si mesma. Tentando compreender como tudo aquilo havia sucedido. Mas era tarde de mais para retirar dali quando ilação quanto ao seu destino. Agora deambulava sozinha no terreno da desolação, imersa nos seus pensamentos mórbidos. Que tragédia se havia instalado na sua vida. Uma tragédia tão imensa que mais parecia um pesadelo. A sua vida transformara-se num sonho maldito, numa penumbra sarcaz de vida em que lhe apenas restava caminhar pela solidão. Assim dedicou-se à escrita como forma de terapia para a sua solidão. Porque a solidão apertava-lhe o peito. Naquele instante em que transmitia para o papel todo o seu fatalismo, ao longo do tempo ia-se libertando desses fantasmas, e a memória de seu pai ia-se desvanecendo.
A cebola irritou-lhe profundamente os olhos. Estava a cortá-la quando as lágrimas lhe surgiram nos olhos. Apesar dos últimos meses de profunda consternação, a memória de seu pai continuava lúcida. Recordava-se quando ele se aproximava de si e lhe soletrava suavemente ao ouvido. – Minha filha, o quanto gosto de ti. Ao vê-lo na cama deitado com o cancro a corroer-lhe cada pedaço das suas células deixavam-na abatida. Com o tempo foi-se libertando dessa recordação, e era apenas a sua voz ténue que ela ouvia no seu coração. Uma voz que lhe anunciava que estaria tudo bem, e que em breve estariam os dois juntos. Porem, era tal o amor que a unia a seu pai que chegou a pensar em suicídio. Fá-lo-ia num ato transtornado, com recurso a um frasco de remédio e uma garrafa de whisky. Havia de dar resultado, pensava. Pelo menos assim, com a morte ficaria novamente perto dele, onde quer que ele estivesse. Porem, esses pensamentos que lhe afloravam na pele, deixara de fazer sentido com o tempo. O cheiro a morte que sentia quando as lágrimas se soltavam, deixou de fazer sentido. Pois o seu pai haveria de gostar que ela estivesse bem. Assim, passo a passo, foi-se desprendendo do seu drama familiar, e começou lentamente a surgir sobre si uma nova consciência. Mais natural de acordo com a sua vida. Começou a praticar yoga e isso fez-lhe ver outro sentido para a vida. Como se fosse uma luz ao fundo do túnel. Assim, com recurso a essa prática milenar começou a deparar-se com outro sentido para a vida. Mais alegre e otimista, que lhe fez ver o mundo com outros olhos. Os olhos de uma nova consciência.
"- Não, não te deixarei passar! " "Tens de compreender que a vida prossegue! "Eram as palavras da sua professora de yoga, que ciente do drama de Malena e da morte prematura de seu pai vítima de cancro, tentava que ela compreendesse que apesar do corpo morrer, a alma existiria para além da vida. E assim, com essa perceção, começou a ter uma nova visão das coisas. Mais otimista, que lhe levou todos os fantasmas que lhe amedrontavam á noite nos seus pesadelos. Num deles em que via o seu pai gritar pelo seu nome, ansiando pela sua companhia, e dizendo que nunca na vida ela haveria de passar por um sofrimento tão grande como aquele. Nessas noites, em que acordava imersa nos seus gritos, Malena via-se confrontada com o desconhecido, mas á medida que foi controlando a sua respiração, eles tornaram-se menos frequentes. Agora o que se recordava, era com uma ternura imensa de seu pai, que naqueles últimos meses lhe havia transmitido a esperança de uma nova vida. Em que a filha seria muito feliz.
As suas lembranças ficaram para sempre no seu coração. Passado uns meses, e com a prática de yoga, com uma nova visão de tudo, da vida inclusive, Malena começou a contemplar o cântico dos pássaros, que anteriormente lhe passavam despercebidos. O desabrochar das flores e o perfume que elas exalavam para sua contemplação. E começou a usufruir além de escrever um diário, do prazer da poesia, quando pela sua visão escrevia sobre temas relacionados com o amor. E essas experiências começaram a enriquecer-lhe a vida. 

Terno Olhar

Poema: Terno Olhar

Terno olhar de quem olha
terna sedução do teu pensar
que vem embriagado de glória
para no tempo repousar

E quando assim se faz o tempo
de memórias e recordações
somos apenas um espírito
declamando poesia ao seu saudar

Vem comigo e partiremos juntos
na alegria de um céu azul
porque a luz que nos alegra
é a mesma sombra do que nos uniu

Sombra essa que nos faz esquecer
tudo aquilo que nos afasta
porque são apenas palavras
e apenas palavras permanecerão.

Queria ser tu alma, paixão...

Poema: Queria ser tu alma, paixão..

Queria ser tu alma, paixão,
um amor amargurado,
que vem sozinho
na madrugada do meu afecto

recordando a fúria dos astros
quando os corpos
se uniam
na nossa devassidão

em que os lábios murmuravam
bem perto ao teu ouvido
o que havia a escutar
contigo

e assim, sermos almas
gémeas da ilusão,
concedermos-nos à glória
como um rio que corre para o mar

E nesse mar,
de imensidão se afasta
convergem nossas carícias
de um tempo infindo

Cujas marés,
se percorrem de vento
para no tormento
sermos apenas fúria de pensamento.

Enigma

Poema: Enigma

O enigma do mundo
só a ti é revelado
quando atravessas o caminho
numa ordem transveça a ti

E por essa estrada
em que teus passos se soam
em que migras para
o poema perdido

Revela-se toda a imensidão
do mundo esquecido
e tornas-te prosa do vento
que sopra devagar

E devagar sopra
por entre o meio das árvores
que soletram à minha voz
de um tempo infindo

São meras palavras
que voam como o vento
num tormento
de um coração esquecido em mim

quarta-feira, 5 de março de 2014

Ainda em revisão



O espelho mágico do pequeno Tobias
I
Tobias é um miúdo dos seus 6 anos de idade que tem um espelho mágico. Olhando para ele pode reparar que tem uma, duas, três, quatro, sardas bem perto da ponta do nariz. Tem dois dentes desdentados sob a forma de dois buraquinhos na boca que o fazem sorrir apenas pela metade. Apesar disso é um miúdo normal, cujo passatempo preferido é brincar com o seu gato José António, nome dado em memória do seu falecido avô, que foi repórter no ultramar, e cuja amizade o ligará ao rapazito pelo infinito. Uma amizade que ele relembra pelas brincadeiras que tinha com o rapaz, brincando aos piratas, em que o Avô simulava uma perna de pau e gritava:
- Oh oh oh! Sou o pirata das Caraíbas!! Brincadeira em que colocava uma cabeleira postiça preta comprida bem amarfanhada na cabeça, e rímel nos olhos para ficar idêntico a um verdadeiro pirata. Com essa figura invulgar, assustava o garoto mas ao mesmo tempo fazia-o sorrir, e dar verdadeiras gargalhadas de alegria. Nesses momentos, a mãe vinha em seu auxilio gritando:
- Pai, não assuste o menino!
Mas o Avô não ligava nenhuma e brincava com a criança ao mesmo teatro, em que ele trocava de identidade com o verdadeiro pirata.
- Uma, duas, três, quatro sardas. Pensava a criança enquanto se olhava ao espelho. Um espelho maravilhoso, com uma moldura de um dourado brilhante à volta, semelhante aos espelhos que os reis utilizavam na antiguidade. Aquele espelho era muito antigo. Violeta, a mãe da criança tinha-o comprado numa loja de antiguidades, apenas pela metade do preço de venda e afeiçoara-se a ele, colocando-o na casa de banho principal. Quando o comprou, teve o discernimento de regatear o preço com o vendedor que pedia mais dois terços do seu preço de venda, mas conseguiu levar pela metade dizendo que estávamos em altura de crise.
- Estamos em crise ó senhor! Venda-o por metade do preço que eu levo-o.
- Minha senhora, este espelho é de um cariz especial! De longa data! Pertencia a um rei como pode ver pelo detalhe da moldura em dourado brilhante. Não o posso vender a metade do preço.
Mas Violeta determinada a levar o espelho lá o convenceu a vender pela metade.
Assim, Tobias, alegre pelo espelho que considerava mágico, passava as suas tardes a olhar para ele, contando as sardas que tinha junto a ponta do nariz, e os dentes que lhe começavam a aflorar na boca. Por isso ainda não tinha o sorriso completo, apenas sorrindo pela metade.
Por outro lado, o espelho de um brilho contagiante parecia contar histórias da antiguidade, e Tobias quando olhava para ele parecia imergir num mundo de fantasia que o fazia incidir na sua própria imaginação.
- Mãe! Este espelho é tão bonito! Foram as suas primeiras palavras quando a mãe levou o espelho a primeira vez para casa. E de facto assim o era, brilhante e luzidio, como um espelho deve ser, com contornos redondos e floreados de talha dourada, semelhante a ouro.
E isso fazia-o sonhar, em como um espelho tão bonito era agora a sua principal companhia de brincadeiras.
- Sabes Tobias. Este espelho é mágico! Dizia-lhe a mãe. – Pertenceu a um rei que era muito barrigudo, e todas as manhas quando acordava olhava para o espelho e perguntava se existia neste mundo algum rei mais bondoso do que ele.
- Mas mãe, essa não é a história da Branca de Neve? Perguntava o rapazito perspicaz enquanto a mãe lhe contava a história.
- É o mesmo espelho. Respondia-lhe a mãe olhando-o com carinho. – Pertenceu à bruxa má, mas depois com o tempo, passou para a posse deste rei.
E a criança imaginava as brincadeiras que o Rei devia ter com o espelho, e as perguntas que lhe devia fazer, uma vez que comunicava com ele.
- Espelho existe um rapazito mais traquina do que eu? Perguntava o miúdo olhando para o espelho com o seu olhar brilhante. Este parecendo responder-lhe exclamava.
- Não! O Tobias é o mais traquina dos meninos!
Ele ficava delirante imaginando diálogos com o espelho. Nesses momentos afagava o pêlo terno do José António, o seu gato que sempre lhe acompanhava nessas brincadeiras.
- Miauuu! Exclamava o gato quando Tobias lhe metia a mão ao pelo. E ronronava com o ronronar que só os gatos têm.
Num desses dias, enquanto olhava o seu reflexo no espelho, imerso na casa de banho de azulejos azuis, com um foco de luz em cima no tecto que iluminava aquele sítio em focos incandescentes, Tobias vê surgir ao longe uma figura que se vai aproximando dele. O rapaz incrédulo olha para trás e não vê ninguém. Apenas o seu próprio corpo. Mas à medida que se vai aproximando a figura fica de frente para ele dentro do espelho, e o reflexo do rapaz desaparece para dar lugar a essa estranha figura.
- Quem és tu? Perguntou a criança assustada.
Por dentro do espelho via-se um mundo mágico, com uma floresta em redor, com a estranha personagem que tinha a cabeça de mocho, mas o corpo de um humano.
- Eu? Estás a perguntar a mim? Questionou a estranha personagem que se dirigia à criança com a sua cabeça de mocho e olhar penetrante, que pareciam duas candeias de luz dirigidas ao miúdo.
- Sim! Estou a falar contigo! Responde a criança.
- Óóó ! Eu sou o Crinch! Muito prazer! E abanando a cabeça de penas, a personagem faz deslizar o seu corpo ainda para mais perto da criança que ainda espantada exclama.
- Crinch?! Que raio de nome é esse?!
O estranho mocho diz-lhe que foi o nome que a sua mãe Dona Melvim adoptou para ele quando era pequeno, e que lá no mundo deles quer dizer, “ aquele que possui a sabedoria ”.
- E o que estás ai a fazer?! Exclama novamente Tobias, que ainda incrédulo, não compreendia como é que estranha criatura tinha aparecido no reflexo do espelho.
A sua volta uma densa floresta aparecia nos contornos do espelho, e a luz do sol luzidia em sombras nos beirais do caminho. Um som de pássaros rodeava aquela atmosfera cintilante, e determinado Crinch afirma.
- Estou aqui porque venho à procura do espelho!
- Á procura do espelho? Pergunta o rapaz!
- Sim! O Rei está muito zangado! Ora essa que está! Porque lhe roubaram o espelho mágico! E agora quer reunir os animais da floresta para que lhe digam onde está o seu espelho.
E abanando a cabeça com as suas penas, parecia olhar para trás, a ver se alguém aparecia.
- Mas este espelho é nosso. A mama comprou numa loja de antiguidades. Respondeu Tobias que parecia imerso nesse estranho mundo.
- Olha, não sei. Só sei que o Rei está muito zangado! Eu fico com medo. Ele quer interrogar todos os animais da floresta para ver se algum sabe de alguma coisa.
Tobias olha em seu redor, e abre ligeiramente a porta da casa de banho a ver se alguém escutava a conversa, e não vendo ninguém exclama para o Crinch.
- E ele está mesmo muito zangado?
- Sim, está! E com razão. Que esse espelho é mágico!
- Eu sempre suspeitei que ele era mágico. Era cá um felling que eu tinha! Exclama o garoto dirigindo-se ao mocho, que abanava a sua cabeça, e as suas asas de penas castanhas.
De repente, Tobias ouve a sua mãe chamar por ele. Chamava-o para que ele fosse lanchar, e Tobias ouvindo a sua mãe a chamar por ele diz ao pequeno mocho.
- Olha, tenho de ir, a minha mãe esta a chamar por mim.
E Crinch ouvindo-o pergunta.
- E qual é mesmo o teu nome.
- Tobias! O meu nome é Tobias. Responde a criança.
- Que raio de nome é esse? Pergunta o mocho espantado, com o mesmo ar com que Tobias tinha perguntado o seu nome.
- É o nome que a minha mãe me deu!
E o mocho alegre abanando as penas da sua cauda regressa para traz pelo mesmo caminho de terra que tinha dar ao espelho exclamando.
- O rei vai ficar muito zangado quando souber que o espelho esta contigo!
- Mas vais lhe dizer? Pergunta o garoto gritando na sua direcção que ia desaparecendo de vista.
Mas o mocho nada disse e o rapaz foi então lanchar. Um belo lanche que a sua mãe tinha comprado no supermercado Pingo Doce, com tostas de recheio de morango, e leite achocolatado.
II