terça-feira, 17 de junho de 2014

Fotografia de palavras

Era a minha morte...
relembras-te? quando de olhar perdido
te dizia o quanto te amava
embora para ti fosse apenas
esquecimento
um simples gesto na esteira
de uma perpétua memória
desejando da lingua fere em fúria
dos corpos adormecidos de desejo
e no fim uma terna solidão
e quando te abandonas-te ao ensejo
vi em teus olhos ser tão certo assim
que de tudo o que vimos foi glória
de um mundo que se abria para nós
e de tudo o que foi e será
compreendia a ilusão que morria em ti
quando o que querias era a paz
mas essa em ti morria assim
e fundiu-se o poema que sem mar
era apenas marés de um terno compasso
cuja música surgia adormecida
na nossa triste despedida...

terça-feira, 27 de maio de 2014

Meu amor

Prosa Poética



Ai como dói o meu coração, na esperança de ver teu rosto. Vivo na ilusão de ser disposto, e tu meu amor, que cravejas-te uma seta no meu peito alado, que perpetuas-te as palavras indefinidas do amor, sem correspondência. Poetisa do meu coração. Leio na tua boca, quando os teus lábios fecham, todos os murmúrios do mundo. E o dia é o amanha, sem dia, sem tempo, apenas o infinito, apenas o tormento, de não poder ver a tua face cândida de prazer. E assim sinto-me morrer. Morro mesmo, quando o teu olhar cruza o meu. Quando na ilusão tento escutar o teu coração. No momento em que evocas a recordação, para que nela ressurjas na tua sombra. Alma perdida. Vazio profundo. Eterna ferida. Solidão do teu mundo. Ele sangra, sangra, e é o teu abraço que o conforta. Nele forte te tornas para a tua força não fraquejar, minha musa. Tu que viajas no murmúrio do tempo, que ouves o som dos pássaros e presentes o som da cor do mar. Confessa a ilusão que percorre o teu tempo. Sendo tempo de avançar. E a areia molhada que te colhe na sua imensidão, cujas ondas se perdem, na nossa outrora paixão. Perdida. Desaparecida. Que te afogam e não te deixam respirar. A cada mergulho nesse abismo onde te sentes desmaiar. Adormecida no leito do teu sono, abraçado no teu ser profundo. Renegas todas as cordialidades, ansiando apenas por um só momento. Desse teu fogo. Do teu alento. Que por momentos te traz consolo. No firmamento. Mas a inquietação persegue-te. Lembra-te o poema maldito. Da cinza do mundo que nem a tua poesia consegue afastar. De ti, e tu perdida de ti meu amor, perdida. Nesse teu abraço teu, que te abraça na solidão. Vejo as sombras a percorrer as paredes. Os sonhos que te trazem as folhas das páginas despidas. Tu que te perdes e te encontras nas letras de um livro. Nas letras mortas e fecundas. Que te perseguem em sonhos. Quando no limbo te sentes cair. Desmaiada de toda a tua condição de mulher. Como se a maldição fosse o seres sensível. E tu que assim vives nessa ilusão, de mais um momento vazio, onde o prazer que te sobra é apenas um breve abrigo, ocupando apenas um instante de solidão. Volta para os teus sonhos, sombra que amaldiçoas a solidão. Que quem sabe um dia te fez sentir assim. Tão perto de ti. E tão longe, ou perto, e tão perto do longe do mundo, não sei ao certo. Comungamos dessas palavras vagas de poesia, com a frieza que esconde o teu coração. Já te tinha um dia dito, sem o saber. Sem saber a firmeza das palavras escolhidas. Diria o mestre sacrilégio, e baptizaria com os beijos ternos. Essa mistura de amor perdido em mim. Sombra fugaz que surges nos meus sonhos. Perdida de ti para te encontrares em mim. Sendo a verdadeira poesia o amor, que nada mais é agora do que uma simples mensagem, da inocência das palavras. Que um dia foram tuas, e que para sempre estarão nesse cantinho onde procurares por elas. As palavras que caminham no passado, pois o tempo não recorda lugares. É um fogo extinto que arde sem razão. Ao que outrora esse teu olhar me disse. Vago. Distante. Solidão de viajante. Como a quem o mundo abraçou e te ofereceu, um qualquer lugar no mundo. É esse o meu destino. O universo. Do infinito. De onde um dia parti, para agora nas palavras compreender. Que sempre ali estive, e sempre ali morri. Sozinho no meu sítio sagrado. Vazio de toda a certeza, sendo a vacuidade que me transporta para a minha eterna pureza. Como puro é o meu amor por ti, meu amor, minha dor. "

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Texto de escrita criativa



Estavam no quarto nº18, como indicava na placa em cima da porta rugosa. A luz do hall iluminava mal a entrada da mesma. Era de uma cor violeta que incidia sobre os seus rostos fazendo-os ter uma idade que não aparentavam. O som do quarto ao lado era nítido de uma televisão ligada num canal qualquer. Talvez o canal de vendas que tentaria vender qualquer produto fazendo companhia a quem estivesse acordado aquela hora.
- Entramos?
Entraram. O acesso era feito através de um cartão de plástico que se inseria sobre a ranhura da porta.
O quarto estava sereno e limpo. Inspirava um traço melancólico e as camas estavam feitas. Os lençóis alinhados sobre a cama de cor branca tinham por cima uma manta que se sobrepunha com um aspeto antigo com uns bordados à mão. Um quadro à frente da cama mostrava a imagem de um homem solitário com um cachimbo na boca como se fumasse para esquecer a sua dor.
Num dos cantos do quarto estavam duas malas feitas. As paredes transpiravam saudade. A mesma saudade que demonstrava os rostos do Sr. A (assim o vou chamar) e da Sra. B.
Aproximaram-se e murmuraram algo ao ouvido que não foi inteligível. Deram um longo abraço. O olhar do Sr. A transparecia a cumplicidade que nutria pela Sra. B, o que evidenciava uma relação de longa data. Sentaram-se em cima da cama e abraçaram-se novamente. Foi evidente o sorriso que Sr.A fez para a Sra. B que o abraçava efusivo.
- Sabes que eu gosto de ajudar os outros. Podes contar comigo.
Disse-lhe ao ouvido esboçando um ligeiro sorriso.
E isso era perentório na relação que parecia existir entre aquele casal. Mas seriam um casal? O narrador imiscuísse dessa tese, quando o Sr. A pegou na sua aliança e a poisou em cima da mesa-de-cabeceira. Talvez fossem meros amantes que se encontrariam ali como noutro quarto qualquer.
- Sabes que não devia estar aqui contigo. Disse Sra. B para o Sr. A que a tentava agarrar sobre a cintura. Num acesso involuntário afastou-se dele e murmurou ao leve numa voz que ecoou sobre o quarto num pranto melancólico.
- Não devia mesmo estar aqui contigo.
O Sr.A tolerou esse afastamento e levantou-se abrindo a persiana do quarto, que deteve-se imóvel enquanto entravam os primeiros raios da manhã. Era a madrugada que se anunciava pelos pequenos fios de luz que brotavam do exterior.
- Sabes que não devia estar aqui contigo.
A aliança brilhando sobre a mesa-de-cabeceira ao pé do cartão chave que abria a porta, e o mesmo som do televisor ligado do quarto ao lado no canal de vendas.
- Mas estás! Quer dizer qualquer coisa. Disse o Sr.A para a Sr. B que se deteve olhando um postal que estava em cima da mesa da entrada, bem em frente à cama, com uma imagem de uma porta luminosa que parecia abrir-se á luz que se sentia do exterior.
- Quer dizer qualquer coisa. Repetiu baixinho enquanto lhe olhava o rosto terno e simpático, um pouco pálido do enunciar da hora.
Sra. B sentiu-se vulnerável aquele pedido. Olhou de relance para as malas feitas junto à porta. Uma delas chamando por si, como se fosse uma despedida.
- Dançamos, bebemos um pouco demais e agora queres ir embora. Disse o Sr.A enquanto olhava para a Sra. B reparando que se aproximava das malas.
- Isto tudo parece-me errado. Murmurou a Sra. B.
E o som do televisor que se parecia ter desligado por momentos, fazendo sobressair a sua voz cândida com medo de pronunciar aquelas palavras.
- Talvez seja errado. Disse o Sr.A olhando para a sua aliança perdida em cima da mesa-de-cabeceira ponderando bem a sua decisão. – Mas sabes bem como não gosto de ser contrariado.
Acendeu um cigarro que puxou numa passa mais prolongada fazendo incidir a luz da ponta no escuro do quarto que apenas se iluminava pela luz ténue que surgia da janela.
- E tu sabes que eu sou tolerante. Respondeu a Sra.B aquela frase.
- Podes contar comigo. Repetiu o Sr.A olhando nos seus olhos e puxando mais uma passa do cigarro.
- E sabes que não podes fumar aqui.
Ele olhou profundamente nos seus olhos e disse.
- Se quiseres ir vai. Não te forço mais. E dirigiu-se à mesa-de-cabeceira colocando novamente a aliança no dedo como sinal de partida.
Sra. B olhou para ele e pegou nas malas.
- Vemo-nos por aí. E partiu deixando a porta aberta, uma porta escancarada como um prenúncio do mundo.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Alguem

Alguem te chama
para alem das sombras da manha
quando os raios
se perpetuam na madrugada

Alguem te quer
imersa nos teus sonhos
quanto deles te soam
incolumes

E quem te clama
de olhar perdido
na bruma de um
horizonte esquecido

Quem te chama
para alem
de um lugar
esquecido

e quem te deseja assim
com rios de laivos de loucura
quando o tempo
é uma tortura

A dor de amar-te assim

Poema: A dor de amar-te assim

Queria amar-te
para além das pétalas
das palavras

Para além do sol
e do mar
e despojar-te na areia humedecida

do teu olhar
perdido em mim

E nessa forma
encontrar-me no teu seio
que se despreende
em teu olhar modesto

vida de incesto
na despedida
de mais um gesto

e quando na madrugada
vieres à minha procura
sou anjo que se arrasta
na deambulação do desejo

perdido
para me encontrar
no teu jardim

Dou por mim
escondido
numa teia de cetim

imaculada pelo firmamento
do céu
em teu interior

que é manifesto
da minha imensa
dor.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Do amor

Poema: Do amor

Queria despir-te
com as mãos
ausentes de sentido

tu que és minha vida
que se revela
tu comigo

Da flor que
brota em teu
deserto

cujo corpo
é em ti meu
manifesto

para em ti
repousarmos
nos laços de um só

conjugação
de um verso
na forma de poema

despida
no sentir
de mim reflectida

Para sempre
tu em mim
seres minha vida.

Tu

Poema: Tu

Tu , que surges para alem da noite
num sentir que vem povoar todas as sombras
que acalentam esta forma de pensar
como se fosse apenas um pressentimento

E quando da noite se faz voz
ecoando para lá da solidão
surges de véu escondendo tua essência
para deambulares na tua premencia

E de tudo o que é assim sentido
para alem de estares tu assim comigo
do gesto que me faz sonhar assim
como se fosse um mar da eterna luz cetim

Constelações no céu púrpuro

Poema: Constelações no céu púrpuro

Surgem sombras
no há-de vir
como uma cortina de fumo
do meu eterno sentir

E nessa deambulação
são cravos despovoados
no meu coração
amargurado

Que se ressente de
toda a ilusão
de um dia
que surge para além da noite

E nessas incertezas
de mãos despidas de ternura
somos constelações
na escuridão de um céu púrpuro

E depreendesse o véu
e todo o teu corpo é meu.

Sitio

Poema: Sitio

Aqui neste sitio onde te vejo
de um lugar povoado de sombras
em que a vida se conforma
com o deambular da solidão

e nesse pensamento
quantos vidas serão tormento
quantos passos que se dirigem á tua aura
que brilha no mar do sentimento

e quando assim
se tomar a veia em mim
sou trajecto oblíquo
que cruza só o horizonte

para onde convergem todas as sombras
de um sitio abandonado
que circula no teu olhar
e que migra para o sol posto.

Alguem do outrolado

Alguem do outro lado
chama por ti em terna voz
para além do firmamento
perdido que há em nós

E nesse descernimento
de meras sombras te povoam
um olhar amanhecido
de um grito além perdido

E quando em ti
se firmam horizontes
somos nós
astros de rejubilo

Que percorrem os céus despidos
nessas deambulações
acordam nos teus sonhos
de nossos corações

sexta-feira, 28 de março de 2014

A morte anunciada de Malena



A escuridão da alma pode ser tão perturbadora como a morte de uma criança. Ela estava a morrer. Uma morte lenta que lhe retirava a vida a cada célula. A impotência de seus pais que a viam deitada no leito à espera da morte convergia para o desespero. Uma impotência de que sabiam qual a origem e lhes apertava o coração com uma melancolia agras que parecia despertar neles o medo do desconhecido. O seu rosto frágil, de olhos profundos de dor, cavados e negros que só com a morfina parecia fazer desaparecer, indiciava uma alma combalida, mas certa quanto ao desfecho nesta vida. Estranho destino que se cingia sobre os ombros leves daquela criança, com o peso da idade terna de apenas seis anos de idade, mas tão segura de si quanto ao que lhe iria acontecer no futuro. Com uma força desmedida parecia acalentar o coração de seus pais com as palavras certas, dizendo-lhes que tudo iria correr bem, e que no futuro no além um anjo a pegaria ao colo e a levaria ao encontro de outras crianças. Assim, adormecida profundamente, cingia-se em si de um pequeno peso de alma, que se intricava na sua vida presa por um fio. Doutor, deveremos ter esperança quanto ao destino de nossa filha? Perguntava o pai da criança ainda um pouco apático face aquela situação em que tinha mergulhado a sua vida. O médico de olhos baixos em direcção ao vazio, e sem lhe poupar qualquer esperança, dizia que era melhor contar com o pior, pois a situação de Malena piorava a cada dia que passava. Nem a quimioterapia parecia melhorar a sua situação. Assim, ligada a uma máquina que lhe injectava pequenas doses de remédio, para lhe reduzir as dores, Malena que morria com um cancro que se tinha expandido por todo o seu corpo, sonhava que subia umas escadas, uma a uma, cujos degraus a levariam para um lugar que lhe mais parecia com o céu, e onde ela poderia brincar com as outras crianças que como ela, Deus havia levado para esse destino Os olhos de sua mãe inundavam-se de lágrimas, mas chorava silenciosamente sem que a pequena se apercebesse, pois era naquele momento apenas impotência que sentia por não poder ajudar a sua filha. Os dias iam passando, e o quarto de hospital onde a criança estava internada enchia-se de flores que as visitas iam trazendo. Eram magnólias, lírios, uma orquídea branca que se cingiam às paredes do quarto de um azul celeste. Apesar de tudo, essas bonitas plantas alegravam o quarto e decoravam o ambiente. E ao respirar esse ar, com o cheiro que as flores transmitiam, Malena parecia imergir num pequeno jardim onde a morte a viria buscar no futuro. Olá, eu sou a morte, e venho-te buscar para poderes brincar com os outros meninos, dizia-lhe uma voz que não a perturbava, mas que a acalentava em relação a um futuro mais risonho que estaria à sua espera. Eu sou a Malena, e nunca imaginei que a morte tivesse a forma de um anjo, daqueles que se vê nos livros de desenhos, com largas asas púrpuras de um branco transparente, tal asas de andorinha. Pois, mas eu sou uma morte especial, aquela que recebe pequenas crianças como tu no seu leito. E Malena sonhava com esse desfecho em que ao subir as escadas com a morte de mão dada, iria ser recebida por muitos meninos que com ela festejariam as mais belas brincadeiras, correndo por esse jardim, que mais se assemelhava ao seu quarto de hospital. E nesses momentos, o seu pai perguntava com quem estava a falar a criança. Ela que se remetia a si num diálogo surreal que parecia ser motivado pelas pequenas doses do remédio que lhe era administrado. Com a morte, papá. Respondia a menina. Ela disse-me que me virá buscar com ela para irmos brincar com os outros meninos. E os olhos de seu pai enchiam-se de lágrimas, pois a morte não pouparia a vida de sua filha nem o que ela tinha de melhor à presença de seus pais. E se ele pudesse fazer um pacto com a mesma, talvez lhe dissesse para o levar antes com ela, e poupar a vida de sua menina, que de tão frágil nem se apercebia do seu desespero. Mas a morte não poupa ninguém. O destino já está escrito nas estrelas e apenas o que pode acontecer é o prolongar de uma situação que será inevitável. Mas se ele pudesse prolongar aquele estado, talvez estivesse a ser egoísta pois as dores no corpo de Malena tornavam-se insuportáveis, e o melhor mesmo é que a morte a levasse com ela para o outro lado e lhe poupasse todo esse sofrimento.
Naquele dia o vento soprava irresoluto sobre as cortinas do quarto de hospital e os seus pais encontraram-na adormecida num sonho profundo. Os seus olhos negros por detrás das pálpebras que se agitavam levemente faziam-na sonhar com o além, onde os meninos brincavam com os seus papagaios de papel numa colina de um monte verdejante, e sob um céu muito azul, calmo e sereno, onde ela se encontraria para seu rejúbilo. O seu pai aproxima-se de Malena e segreda-lhe ao ouvido para ela acordar, e os seus olhos abrem-se de mansinho. Já era dia, e apesar do vento gélido que parecia querer entrar pelas frestas da janela do seu quarto de hospital, ela acordou imersa desse sonho que sempre sonhava quando dormia à noite. O papá e a mamã tem um segredo para te contar. Disse o pai à criança. Olá papa, bom dia. Foram as suas palavras, uma vez que acordara levemente e parecia querer despertar daquele sonho da última noite. Vais ter um irmãozinho. Respondeu-lhe o pai. A mãe olhava para ela com olhos de ternura, e agora que o seu fim estava próximo, Malena ia ter um irmão, pois a sua mãe estava grávida. A criança alegrou-se com aquela revelação, e abraçou os pais com grande furor. Ia ter um irmão, e estava radiosa com aquela constatação. Que alegria imensa em ter um bebé com quem brincar. Então levantaram-na com cuidado e sentaram-na num sofá que existia ao lado da sua cama que ficava encostada a uma das paredes laterais do quarto. O papá comprou este livro de desenhos para a menina. Tem uma bela história. Disse-lhe o pai. E que história é essa. Conte-a papá, conte-a! Exclamou a menina que se havia sentado no sofá e que agora desperta se alegrava com o seu novo livro de histórias. É sobre uma menina que ia ter um irmãozinho. Começou o pai a contar a história. Certo dia, veio a cegonha no céu e trouxe o bebé enrolado num xaile branco, semelhante a uma manta de retalhos de um branco muito branco. E o bebé chorava fazendo: uá uá! Continuou o pai a contar a história. A irmã que o veio receber dos braços da cegonha, uma vez que os pais não estavam em casa, não sabia o que fazer. Então, pegou num biberão e deu-lhe leitinho para ele beber. Mas ele continuava a chorar. E então o que ela fez papá!? Perguntou a criança entusiasmada com a história. Então a criança pegou-a ao colo e começou a embalá-lo e a cantar uma música.
“ Era uma vez um bebé, muito fofinho, que dormia no seu cantinho.”
Cantava a criança. E o bebé começou a ficar embalado e adormeceu num sono profundo, e não mais chorou e ficou muito sossegado. Que bela história papá! Exclamou a criança enquanto olhava para as figuras do livro. Sabes papá, estou cansada. Disse a menina, e então o pai deitou-a novamente na cama. E os dias foram passando.
No dia em que Malena morreu, a sua mãe entrou em trabalho de parto no hospital. Foi como se a sua alma migrasse para o corpo do recém-nascido. Não sei se isso será possível, mas assim pensaram os seus pais, que vendo Malena partir, agora tinham nas suas mãos um bebé frágil. E a partir daquele dia, assim contou a história que as primeiras palavras que ele disse quando aprendeu a falar, foram do nome da sua falecida irmã, Malena, para espanto dos seus pais.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Mocho Sabichão



As aulas do mocho sabichão eram sempre muito alegres e divertidas. O mocho arranjava sempre esquemas para explicar aos animais do bosque a gramática do estudo da língua humana. Eles aprendiam essa língua para que na floresta mágica pudessem falar o humanés, que era o nome dado a língua falada pelos humanos. E eram tão divertidas, tão divertidas que todos eles se fartavam de rir quando o mocho contava as suas histórias.
As aulas eram lecionadas no terreiro junto ao largo das laranjeiras, no meio do bosque. Os troncos velhos de árvores já caídas da floresta serviam de mesa e cadeiras para que eles se pudessem sentar. Por outro lado, as notas eram escritas em pedaços de papel de sebenta que o mocho sabichão tinha comprado na loja da Dona Raposa, que vendia material escolar para os habitantes da floresta. A Dona Raposa tinha um franchising desse género de produtos. Por outro lado, já se tinha internacionalizado para outras zonas da floresta, tendo um negócio muito lucrativo na venda de material escolar. Isso devia-se ao facto de os animais terem muita vontade de aprender o humanés. Certo dia, o mocho resolveu explicar os substantivos coletivos, que era o nome dado aos nomes que indicavam uma pluralidade de seres da mesma espécie, ou uma coleção.
- Olá meus caros bom dia! Exclamou o mocho dirigindo-se à plateia de animais. – Hoje iremos falar dos substantivos coletivos!
- O que é isso, o que é isso? Perguntou o sapo lá ao longe, que estava sentado na terceira fila e fazia muito barulho a mastigar uma pastilha.
- Bem, é isso que vos vou explicar. Os substantivos coletivos são…
De repente é interrompido pelo papagaio que tinha chegado atrasado á aula.
- Desculpe o atraso professor mocho, mas estive a tratar de uma tradução de língua humaneza. Desculpe o atraso. O papagaio era um dos melhores alunos da aula e já fazia traduções do humanés.
- Não faz mal, não faz mal! Como eu estava a dizer… continua o mocho quando é interrompido novamente, agora pela coruja.
- Piu professor mocho. Quantos tipos de substantivos é que existem hem? Disse a coruja com um piar ligeiramente rouco porque andava mal da garganta, e já tinha tomado pastilhas para a tosse.
- Bem, já que pergunta são… Ia dizer o mocho quando é interrompido novamente pelo jacaré que pergunta.
- Professor mocho, posso ir à casa de banho, posso?
Finalmente o mocho diz.
- Podes ir sim, mas se me continuam a interromper não vou poder explicar os substantivos coletivos…
- Desculpe professor mocho. Diz a Iguana interrompendo-o novamente. – Mas você hoje não ia explicar os adjetivos. Como era mesmo… O sotaque da iguana era meio abrasileirado e ela falava com a língua em s. Assims, e por ai adiante.
- Não dona iguana, hoje irei explicar os…
É novamente interrompido pelo leão, que faz um longo rugido.
- Grrrr…. Desculpe professor mocho, é o meu estomago a rugir, porque hoje ainda não comi nada.
E o professor mocho lá teve que fazer uma pausa para os animais irem tomar o pequeno-almoço.
Passado um quarto de hora, o professor mocho chama novamente os animais da floresta.
- Venham meninos que tenho de explicar-vos os substantivos coletivos.
E os animais entraram de mansinho na aula á espera da explicação do professor.
- Professor mocho conte uma história, conte! Por favor. Disse baixinho o periquito que se encontrava sentado num ramo de uma árvore.
- Bem está bem, eu conto, mas só se tiverem muito quietinhos. Exclamou o mocho com uma voz ternurenta.
- Nos ficamos muito, muito quietinhos. Respondeu o gato que se encontrava cheio de atenção sentado no tronco da primeira fila.
- Então é assim. Começa o mocho. Eu conto se me disserem quantos substantivos coletivos encontram na história.
- E o que são os substantivos coletivos. Perguntou novamente o gato.
- São os nomes que indicam uma pluralidade de seres da mesma espécie ou uma coleção.
- Muito bem. Responde o leão, que já tinha tomado o pequeno-almoço e se sentia com o estomago aconchegado.
- Era uma vez um humano que tinha uma voz muito grossa e falava axim. Certo dia, no meio da multidão havia um cego que pedia esmola. O homem aproximou-se dele e deu-lhe uma moeda de um euro. O cego perguntou-lhe se ele tinha boa visão, porque a dele era turva e só conseguia ver sombras à sua frente. Tinha pena de ser assim, porque não podia ver as estrelas no céu, nem olhar para o mar. O homem perguntou-lhe. É cego há muito tempo? E o cego respondeu que tinha cegado já era um rapazote, mas que ainda permanecia em si a lembrança de ver as constelações no céu à noite. O homem que falava axim, teve muita pena do cego e sentou-se a seu lado. Descreva-me o mar. Perguntou o cego ao homem. O homem respondeu que o mar era como pintar o céu de um azul brilhante e que o imaginasse com uma palete de cores cinzenta, quando caia a noite no céu. Deve ser uma visão muito linda. Exclamou o cego. De facto assim o era, mas ele não podia ver, nem as suas palavras podiam descrever a beleza daquela paisagem.
Os animais estavam fascinados com a história do mocho e interromperam-no para dizer-lhe que palavras representavam os substantivos coletivos.
O leão começou.
- A palavra multidão é um substantivo coletivo senhor professor mocho?
- É sim! Muito bem visto leão! Exclamou o mocho.
- E a palavra constelações? Perguntou o papagaio que ouvira a história com atenção.
- É sim senhor, muito bem papagaio.
- A palavra palete também o é? Perguntou o jacaré.
- Sim senhor, também é! Exclamou novamente o mocho.
E ficando contente por os animais terem adivinhado os substantivos coletivos, distribuiu rebuçados de mentol por todos eles. A lição tinha sido um sucesso.